Decreto de indulto que reduz pena viola a Constituição, decide TRF-4

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Decreto de indulto que reduz pena viola a Constituição, decide TRF-4

Escrito por Bertol Sociedade de Advogados

28/06/2017

Prerrogativa absolutista;
Por não poder legislar sobre Direito Penal, o presidente da República não pode conceder indulto a quem cumpriu um quarto da pena. Por isso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região declarou inconstitucional o inciso XIV do artigo 1º do Decreto 8.615/2015. O dispositivo concede indulto coletivo aos condenados à pena privativa de liberdade, desde que substituídas por restritivas de direito, que cumpriram, até 25 de dezembro de 2015, 1/4 da pena.

A maioria dos desembargadores entendeu que o presidente tem a prerrogativa discricionária, mas não arbitrária, de conceder o indulto em caráter excepcional, sobretudo se amparado por razões humanitárias. E não como medida para redefinir a dosimetria das penas ou para atuar na diminuição da população carcerária.

No caso concreto, o ‘‘agravado’’ foi condenado a um ano de reclusão, no regime aberto, por infringir o artigo 334 do Código Penal (elisão de impostos em descaminho). A pena corporal foi substituída por prestação de serviços, num total de 365 horas. Depois de ter cumprido 96 horas — mais de 1/4 da pena —, acabou beneficiado com o decreto de indulto. Na execução, o Ministério Público Federal agravou contra o perdão judicial.

Segundo o proponente e relator da arguição de inconstitucionalidade no colegiado, desembargador Leandro Paulsen, da 8ª Turma, a dispensa do cumprimento dos 3/4 de pena restante retira a eficácia penal e viola o princípio da separação dos Poderes e o da individualização das penas, de que cuidam os artigos 2º e 5º, inciso XLVI, da mesma carta. Além disso, atenta contra o princípio constitucional da ‘‘vedação da proteção insuficiente’’, por gerar impunidade.

Instrumento irrestrito de intervenção
‘‘A questão subjacente ao agravo apresentado pelo Ministério Público Federal é a seguinte: há limites materiais para a concessão de indulto pelo Presidente da República em nosso Estado de Direito Democrático ou ainda estamos diante do mesmo instrumento irrestrito de intervenção do monarca, vinculado exclusivamente à sua própria consciência, típico do Estado absolutista?’’, questionou Paulsen.

Segundo o relator, o princípio da individualização da pena encontra assento constitucional expresso e reclama atuação institucional harmônica, independente e autônoma dos Três Poderes, conforme o artigo 2º da Constituição. Assim, toda e qualquer atuação de um poder na seara de competência do outro reclama pressupostos constitucionais muito específicos, sob pena de interferência ilegítima. Afinal, escreveu, o indulto não está previsto na Constituição como medida que possa transformar a cominação abstrata de penas pelo legislador e a dosimetria realizada pelo juiz em dispositivos sem norma. Não se trata, por outro lado, de medida de administração carcerária, mas de instrumento excepcional para a afirmação de valores constitucionais, com destaque para a dignidade da pessoa humana.

‘‘Ademais, a doutrina contemporânea identifica, no sistema constitucional, não apenas a existência de um ‘garantismo negativo’, mas também a conformação de um ‘garantismo positivo’, ou proibição de proteção insuficiente. Em suma, a atuação estatal somente será proporcional e adequada quando, além de observar todos os direitos individuais daquele que se veja na condição de réu ou investigado em processo criminal, garanta a proteção dos direitos fundamentais de toda a sociedade, o que significa observância das leis penais e correta aplicação das sanções pertinentes àqueles que violem os bens jurídicos mais importantes tutelados pelo direito’’, destacou no voto.

Paulsen ainda observou que o Poder Executivo nunca deixou de editar decreto para extinguir a punibilidade de forma ampla aos réus que se enquadravam nas situações previstas em lei. Com isso, deduziu que o ato destinado a corrigir injustiças graves e excepcionais, decorrentes de circunstâncias concretas muito específicas de determinados casos, passou a ser reiterado, banalizando-se. E vem sendo usado como método de administração da população carcerária.

‘‘Pode-se dizer, com firmeza, que o legislador comina as penas, o julgador as aplica, mas que, na prática, as penas são divididas por três ou, por quatro, por ato unilateral do Executivo. As penas estabelecidas na legislação e dosadas nas sentenças são objeto de um corte substancial e profundíssimo: sua maior parte não é aplicada!’’, constatou. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 25 de maio.

Por: Jomar Martins – ConJur

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