Arbitragem no setor público do Brasil é a que mais cresce no mundo

Registro de novos casos teve aumento de 25%, em 2022, segundo dados apresentados pela professora Selma Leme

arbitragem já é uma realidade na administração pública, e há espaço de sobra para que avance cada vez mais nesse setor. Essa avaliação foi compartilhada por alguns dos mais importantes especialistas na resolução consensual de conflitos, reunidos nesta quarta-feira (9/8) no evento “Arbitragem, segurança jurídica, investimentos e desenvolvimento econômico”, promovido pelo BNDES, em parceria com a OAB/RJ. A tendência já se materializa em números, como os apresentados pela professora Selma Lemes, coautora da Lei da Arbitragem, sancionada em 1996.

Os dados que compõem a pesquisa comparativa apresentada pela estudiosa, com informações da Câmara de Comércio Internacional (CCI), demonstram que, em 2022, houve um aumento de 25% no número total de novos casos no setor público, em relação ao ano anterior. Esse crescimento é puxado pelo setor de infraestrutura. No número total de novos casos de arbitragem, o Brasil teve um crescimento de 4%, mantendo-se atrás do Reino Unido, país que é referência mundial na arbitragem. Em relação aos valores em discussão, houve uma queda de 28% no período analisado no Brasil.

“Esse número que a doutora Selma trouxe de 25% de aumento da arbitragem no campo do setor público é uma demonstração clara de que está havendo um aumento da procura e da utilização do instrumento. A administração pública federal, em geral, mesmo na regulação e nos contratos de concessão, já vem utilizando a cláusula de arbitragem como padrão. Isso aumenta a segurança jurídica, sobretudo a percepção de segurança dos investidores estrangeiros diretos. É um fator de estabilidade jurídica para a atração de investimentos”, afirmou Walter Baère, diretor da Área Jurídica do BNDES.

Porém, há entraves a serem superados para que esse aumento seja ainda mais efetivo, na avaliação do presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), Gustavo Schmidt. Ele listou a resistência a mudanças e o temor de punição por órgãos de controle, diante da apresentação de soluções inovadoras para os litígios, como elementos importantes para discussão ao longo dos próximos anos.

“Há espaço maior para a arbitragem. Ela já é uma realidade na administração pública, embora em números ainda reduzidos”, pontou Schimidt.

Dever de revelação, inteligência artificial e o papel do Judiciário

O aumento do uso desse instrumento, seja no setor público ou privado, ocorre em um momento no qual a arbitragem desenvolve maior maturidade no país, na avaliação do árbitro e sócio do Gandelman & Costa Dias Advocacia, Marcelo Gandelman, que mediou o painel “Perspectivas para Arbitragem no Brasil”. Para Gandelman, há três temas desafiadores para nortear o futuro da resolução consensual de conflitos: o dever de revelação do árbitro; o uso da inteligência artificial; e o papel do Poder Judiciário no contexto da arbitragem.

“Acreditar que o Poder Judiciário não faz parte do tecido da arbitragem é uma falácia. E isso não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra… O Poder Judiciário também tem a sua percepção sobre a arbitragem, interfere na arbitragem quando é absolutamente necessário e toma decisões acerca do procedimento. É preciso ter algum tipo de controle final sobre determinadas questões da arbitragem”, defendeu Gandelman.

No que diz respeito ao dever de revelação do árbitro, tema da ADPF 1.050, levada em março de 2023 ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo União Brasil, os especialistas reunidos no BNDES demonstraram cautela em relação à extensão do conceito de “dúvida justificada”, previsto no art. 14, § 1.°, da Lei de Arbitragem. Referências no tema, a professora Selma Lemes e o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e professor titular da UERJ, IBMEC e UNESA, Humberto Dalla, levantaram dúvidas em relação à maturidade dessa discussão.

“Há posições muito extremadas de um lado e do outro. Foi o que a professora Selma colocou: a lei foi fruto de um estudo que foi se desenvolvendo. Ela foi aperfeiçoada em 2015. A gente precisa amadurecer mais ainda. Acredito que ainda não estamos no momento de tocarmos neste assunto”, avaliou Dalla.

Velocidade frente às disputas judiciais

O evento no BNDES também discutiu os avanços necessários para que os processos de arbitragem sejam ainda mais velozes na comparação com o tempo de espera para a resolução de conflitos que tramitam na esfera judicial. O tema foi levantado por Walter Baère, do BNDES, logo na abertura dos trabalhos, que contou com a presença da vice-presidente da OAB/RJ, Ana Tereza Basilio. Segundo ele, em alguns casos, há um uso excessivo da dilação probatória, o que faz com que a promessa de agilidade não se concretize tanto assim.

Segundo o presidente da Comissão de Arbitragem da OAB-RJ e sócio de Trench Rossi Watanabe Advogados, Joaquim Muniz, embora, eventualmente, ocorra uma demora superior à esperada, a resolução de conflitos por meio da arbitragem ainda é muito mais veloz na comparação com os casos levados ao Poder Judiciário. Muniz pontuou análises estatísticas que demonstram que a arbitragem leva entre 13 e 19 meses em média, chegando a dois anos em casos mais complexos, enquanto, no Poder Judiciário, essa resolução leva até dez anos. Ainda de acordo com Muniz, um dos aspectos mais importantes para acelerar os processos é o aperfeiçoamento do modelo de perícia.

“Nós somos, de certa forma, muito reféns dos peritos. Então, talvez, seja o caso de utilizar outros métodos. Se o perito atrasa, a arbitragem toda atrasa. Como pode melhorar essa relação perito-partes-arbitragem? Como é que isso pode evoluir? Eu acho que em alguns contratos já poderiam prever o que se chama de peritagem. Antes de fazer a arbitragem, já é possível fazer uma perícia. É o caso dos contratos de compra e venda de empresas. Como determinar o preço? Que uma auditoria determine o preço. Nos contratos de construção, igualmente, é possível evoluir. Muitas coisas vão para a arbitragem, mas não precisariam. O contrato já deveria dar uma solução”.

O evento sobre arbitragem do BNDES, organizado por Mauricio Galvão, Marcelo Rangel, Paula Saldanha Jaolino e Maurilio Guignoni, deve ter uma nova edição em 2024. De acordo com Guignoni, chefe do departamento jurídico de planejamento, gestão e relacionamento, a discussão de temas como a arbitragem e a mediação é decisiva para estimular o desenvolvimento econômico nacional.

“São métodos que entregam uma tutela para conflitos dentro de um prazo e dentro de uma previsibilidade, coisa que para a agenda de investimentos é muito importante. Eles trabalham um pouco na reestruturação do modo de ser da própria administração pública”, afirmou.

ROBERTO MALTCHIK – Editor no Rio de Janeiro. Atua na produção de conteúdo sobre os Três Poderes em diversas plataformas.