Diferenciação na aplicação de pena privativa de liberdade em relação ao servidor público e seus reflexos administrativos.

O regime jurídico dos servidores públicos federais, conforme a Lei nº 8.112/1990 (aplicado para qualquer servidor público), estabelece implicações distintas em casos de penas privativas de liberdade, variando de acordo com a duração da pena e a natureza do crime.

Essas repercussões afetam tanto a relação funcional entre o servidor e a Administração Pública quanto os direitos de seus dependentes, incluindo o auxílio-reclusão. Além disso, o entendimento do Supremo Tribunal Federal reforça a independência das esferas penal e administrativa, delimitando casos de responsabilidade administrativa mesmo diante de absolvição penal. Crimes sem relação funcional não implicam automaticamente em perda de vínculo, salvo quando configurarem infrações administrativas autônomas:

1. Pena Privativa de Liberdade Inferior a Quatro Anos

Nos casos em que a pena aplicada seja inferior a quatro anos, o servidor permanecerá afastado do exercício do cargo ou função, sem que ocorra a perda automática do vínculo funcional. A Lei nº 8.112/1990, em seu art. 229, disciplina as condições para concessão do auxílio-reclusão aos dependentes do servidor, estabelecendo valores proporcionais à remuneração:

  • I – Dois terços da remuneração: Este montante será devido quando o afastamento decorrer de prisão em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, desde que perdure a situação de prisão.
  • II – Metade da remuneração: Este percentual será pago nos casos em que o afastamento decorra de condenação definitiva, desde que a pena imposta não determine a perda do cargo.

Parágrafo 1º: Nos casos em que o servidor, inicialmente afastado por prisão em flagrante ou preventiva, venha a ser absolvido judicialmente, será assegurada a integralização dos valores de sua remuneração, em observância aos princípios da presunção de inocência e da reparação de prejuízo indevido.

Parágrafo 2º: O auxílio-reclusão será imediatamente cessado a partir do dia seguinte ao da libertação do servidor, ainda que esta ocorra sob condição de liberdade provisória.

Parágrafo 3º: Além das disposições específicas do art. 229, o auxílio-reclusão poderá ser devido aos dependentes do servidor, nas mesmas condições estabelecidas para a pensão por morte, conforme previsão geral do regime de seguridade social aplicável aos servidores públicos.

2. Pena Privativa de Liberdade Superior a Quatro Anos

Quando a condenação do servidor resultar em pena privativa de liberdade superior a quatro anos, aplica-se o disposto no art. 92, inciso I, alínea “b”, do Código Penal. Essa norma prevê a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo como efeito automático da condenação criminal, uma vez transitada em julgado a sentença condenatória.

Tal efeito decorre da gravidade da infração penal e da incompatibilidade de sua prática com a moralidade administrativa e os princípios fundamentais que regem a Administração Pública, especialmente os previstos no art. 37 da Constituição Federal, como a legalidade, a moralidade e a eficiência.

3. Entendimento do Supremo Tribunal Federal (ARE 664930)

O Supremo Tribunal Federal, em interpretação relevante para a matéria, estabeleceu que a absolvição na esfera penal nem sempre implica a inexistência de responsabilidade na esfera administrativa. Em seu julgamento no ARE 664930, o Tribunal reconheceu a possibilidade de resquícios administrativos subsistirem, mesmo em face da absolvição penal.

Esses “resíduos” referem-se a condutas praticadas pelo servidor que, embora não caracterizem crime na esfera penal, podem configurar infrações administrativas de natureza grave, justificando o afastamento ou a aplicação de outras sanções disciplinares.

Ademais, o STF reforçou que a independência entre as instâncias administrativa e penal é limitada pelas hipóteses em que o fundamento da decisão absolutória criminal abrange elementos de inexistência de materialidade ou negativa de autoria, situações em que necessariamente se estende à esfera administrativa.

4. Crimes de Natureza Não Funcional

Por fim, nos casos em que o crime praticado pelo servidor não possuir relação direta com suas atribuições funcionais, não há reflexos automáticos sobre a relação funcional ou na esfera administrativa. Em tais circunstâncias, a Administração Pública mantém a estabilidade do vínculo funcional, salvo se a conduta configurar infração administrativa autônoma, passível de apuração por meio de processo administrativo disciplinar.

Por: Claudia Suman | OAB/SC 69.227B| Bertol Sociedade de Advogados