A recente aprovação da urgência para o Projeto de Lei 714/2023 pela Câmara dos Deputados reacende debates fundamentais sobre a tensão entre segurança pública e garantias constitucionais. O projeto, que altera o artigo 310 do Código de Processo Penal (CPP), propõe a obrigatoriedade da decretação de prisão preventiva na audiência de custódia para crimes graves, como crimes hediondos, roubo qualificado, associação criminosa qualificada, e casos de reincidência criminal. Além disso, estende o prazo para a realização da audiência de custódia de 24 para 72 horas.
Atualmente, o CPP determina que presos em flagrante sejam submetidos a uma audiência de custódia em até 24 horas, onde o juiz avalia a legalidade da prisão e verifica a possibilidade de medidas cautelares alternativas. No entanto, o PL 714/2023, de autoria do deputado Coronel Ulysses (União-AC) e relatado por Kim Kataguiri (União-SP), busca endurecer o tratamento a crimes considerados mais graves, argumentando que a liberdade provisória é frequentemente concedida em situações que comprometem a segurança pública e dificultam a investigação criminal.
Apesar de seu apelo à segurança pública, a proposta enfrenta críticas de especialistas e instituições jurídicas. O principal ponto de contestação é a aparente incompatibilidade com o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Alguns especialistas em Direito Processual Penal, classificam a medida como um grave retrocesso, alegando que a prisão preventiva só deve ser aplicada em casos de necessidade concreta e fundamentada.
Além das críticas constitucionais, a proposta também viola parâmetros internacionais, como a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que exige fundamentação específica para qualquer forma de restrição de liberdade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem reiteradamente reafirmado a incompatibilidade de normas que estabeleçam prisões preventivas automáticas com os princípios constitucionais. Em 2006, declarou a inconstitucionalidade da obrigatoriedade de cumprimento de pena integralmente em regime fechado para crimes hediondos, fundamentando-se na necessidade de individualização da pena. Mais recentemente, o tribunal invalidou a proibição de liberdade provisória em casos de tráfico de drogas, reforçando a necessidade de análise caso a caso.
A aprovação do PL 714/2023 não é um evento isolado, mas insere-se em um contexto mais amplo de embates entre o Congresso Nacional e o STF. A proposta pode ser vista como uma tentativa de conter o que alguns parlamentares consideram “ativismo judicial” do Supremo, especialmente em áreas sensíveis como segurança pública e direitos individuais.
No entanto, a medida também levanta preocupações sobre o potencial aumento da população carcerária, já sobrecarregada, e a perpetuação de um modelo punitivista que muitas vezes ignora soluções mais eficazes, como políticas de prevenção e ressocialização.
A sociedade, o Poder Judiciário e o Legislativo devem encontrar um meio-termo que concilie segurança pública com o respeito às garantias individuais, evitando retrocessos que possam comprometer a justiça e a democracia no país.
Por: Tomás Meireles Cardoso | Advogado OAB/SC 59.969A | Bertol Sociedade de Advogados